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Frequência Modulada

Resenhando: Raekwon em Only Built 4 Cuban Linx...Pt II

Frequência Modulada

09/07/2019 23h32

De 1995 até 2009, milhares de coisas mudaram, principalmente neste tão controverso e dinâmico gênero. Como essa mudança influenciou Raekwon e seus parceiros durante a gravação do álbum?

 

 

Depois de muitas brigas internas, adiamentos, questionamentos, desistências, reformulações e todo o tipo de obstáculo possível, eis que o tão aguardado "Only Built 4 Cuban Linx…Pt II" chega aos ouvidos do mundo. Sequência do clássico de mesmo nome lançado nos tempos áureos do Wu-Tang, o disco é concebido já com a monstruosa responsabilidade de fazer jus ao nome e a toda ansiedade que gerou nos fãs de rap.

Infelizmente, não é exagero dizer que o Wu não mantém sua tradição de grandes álbuns há uns dez anos. Os desentendimentos acerca de 8 Diagrams deterioraram ainda mais a imagem do grupo perante os fãs. O próprio Raekwon já parecia desacreditado depois de tantas promessas sobre OB4CL2, que já havia caído no limbo daqueles discos místicos prometidos há séculos, junto com Detox, por exemplo. E, neste cenário tão pessimista, tão desencorajador, eis que Rae faz algo maior do que talvez ele mesmo imaginava: além de ressurgir com um trabalho excelente, recoloca o Wu numa rota razoável e prova que, sim, é possível manter-se fiel a seus fãs e não soar datado.

 

Conceitualmente, existem algumas diferenças entre a obra prima original e este sucessor. Em 96, Rae era um cara faminto, ávido por mostrar seu valor como artista solo e na metade do caminho rumo a três décadas de vida. Como consequência, seu flow é agressivo, urgente, como se não quisesse perder tempo. Além disso, ele estruturou todo o álbum com base numa espécie de roteiro, no qual ele era o protagonista. Pois alguns fatores mudaram na versão 2009: Rae sonha mais cerebral, mais contemplativo; frequentemente, muda o foco da sua câmera lírica para os personagens da sua quebrada. Afinal, agora ele é um emcee consagrado, com 39 anos – não faria sentido ainda ser o mafioso das suas letras.

 

Mas se há alguma coisa que ainda continua intacta, é a capacidade de Rae contar boas histórias, de preferência relacionada ao submundo do crime e das drogas. Encare as letras do membro mais obeso do Wu como um bom filme policial, e sério candidato ao Oscar de melhor roteiro. Em alguns momentos, as rimas são tão visuais que é facílimo imaginar a cena. E não é só o conteúdo que é impecável. A forma como Rae estrutura seus versos é elogiável: esqueça o básico modus operandi de rimar as últimas palavras de cada verso; nas histórias construídas apenas para os Cuban Linx, as rimas são internas, surgem três linhas depois, dialogam entre si numa só linha etc. E este tipo de quebra com o padrão, esta forma "móvel" de escrita casa perfeitamente com o storytelling exposto em cada faixa.

 

Claro, a temática pode soar unidimensional, e de fato é. Porém, entre tantas histórias de crime, sangue e assassinatos, há espaço para entendermos um pouco quem é de fato Shallah Raekwon. "Ason Jones" é uma homenagem emocionante para o falecido Ol' Dirty Bastard, uma descrição detalhada de ODB sob a ótica de Rae, quase de uma forma reverente e mostrando, nas entrelinhas, as principais lições de Ason: "manter-se real", algo que seu parceiro mais novo aprendeu perfeitamente. Nota-se também que, se há 14 anos atrás, a postura era de um jovem criminoso pronto para tomar seu bairro de assalto, agora a atitude é outra: a reflexão perante as condições do gueto, a preocupação em alertar os mais jovens, algo que fica visível em faixas como "Cold Outside" e "Have Mercy". Indo mais fundo, Rae mostra, talvez inconscientemente, como nada mudou em todos esses anos, apenas os atores.

E se liricamente o trabalho atinge o objetivo de ser uma sequência, musicalmente a tarefa não foi tão fácil. Para começar, a divisão de tarefas: sai o monopólio de RZA e entram J-Dilla, Pete Rock, Dr. Dre e outros beatmakers menos conhecidos. Entretanto, a proposta continua sendo o batidão turvo que consagrou o Wu. Com um número relativamente alto de faixas e produtores, fica meio óbvio que aquela coesão de trilha sonora cinematográfica do OB4CL original não seria reeditada. Saem as strings sinistras e pianos atmosféricos, e entra uma plétora de estilos e samples. Mas não se preocupe, as pancadas continuam lá, só não dialogam tanto umas com as outras.

 

A linha de baixo militar de "House of Flying Daggers" abre o disco dando uma prévia do clima, que tem seguimento em "Gihad", "New Wu" e "10 Bricks", e encontra seu ápice na minimalista "We Will Rob You", com direito a Slick Rick parodiando a clássica "We Will Rock You", do Queens, e nos violinos triunfantes de "Kiss The Ring". Existem momentos mais reflexivos, como a ótima "Pyrex Vision", com um sample sensacional, e "Ason Jones", uma criação de Dilla que mais remete às faixas soul típicas de Ghostface Killah, com um sample vocal vindo de algum disco soul obscuro e orquestra da mesma origem.

 

São tantas nuances ao longo do disco que fica difícil falar de tudo. Não se pode esquecer que Rae emprega o mesmo flow e estrutura utilizados em "CREAM" em "Catalina", um beat apenas regular de Dr. Dre. Aliás, Dre contribuiu com duas batidas absolutamente genéricas de seu catálogo, o que é uma pena. As participações também não podem ser esquecidas: se Rae tornou-se mais cerebral, o inseparável Ghostface manteve o tom emotivo de antes, deu ótimo contraste e confirmou que R.A.G.U. continua sendo uma das melhores duplas do rap. Menção honrosa também para Beanie Sigel e seu verso em "Have Mercy", escrito como se ele estivesse dentro de uma cela, refletindo sobre como criar seu filho desta maneira, e para Masta Killa em "We Will Rob You", no melhor estilo "Labels" de GZA, mas usando o nome dos generais do Wu.

 

Quando o primeiro Only Built 4 Cuban Linx saiu, eu tinha apenas sete anos e, claro, não conhecia o rap. Uma frustração que tenho é não ter vivido a época em que tantos clássicos foram lançados. Mas, com esta sequência poderosíssima, Raekwon me dá a oportunidade de me redimir um pouco e tentar imaginar como deve ter sido o dia 1º de agosto de 1995. O que eu sei é que, em 1º de setembro de 2009, eu puder viver um pouco os tempos em que o Wu estava no auge e dominava o rap. E, só por isso, OB4CL 2 já vale a pena. Mesmo que, daqui a alguns meses, revele-se não tão completo quanto seu sucessor.

 

Sobre os autores

Fabio Lafa escreve textos, podcaster, pesquisador musical e consultor em music branding.

Nyack é Dj, pesquisador musical e beatmaker.

Juliano BigBoss é estudioso do marcado do rap, pesquisador, produtor artístico e executivo.

Sobre o blog

Papo semanal e bem descontraído sobre os ritmos que movem cidades. Dicas e mapeamento de cenários musicais - clássicos e emergentes, do analógico ao eletrônico.

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