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Frequência Modulada

Dos clássicos que amamos: Jay-Z em Blueprint 3

Frequência Modulada

16/04/2019 22h30

Sempre gostamos de, além de documentar os belos trabalhos na história do rap, de dar alguns detalhes sobre o que rolou atrás das cortinas. Isso é o que nos move e o que é legal em clássicos. Acontecimentos, conversas – vida, por trás de uma obra. E hoje falaremos do décimo primeiro álbum do rapper Jay-Z, na época já veterano, consagrado e dono de bastante coisa em Nova York. Olha só:

Faltando 11 dias para o lançamento oficial, o terceiro volume de Blueprint chegou à internet. O álbum chega com a missão de manter a tradição de Jay-Z em lançar sucessos comerciais, ratificar a relevância do veterano no jogo e, com alguma sorte, oferecer ainda mais argumentos àqueles que o consideram o melhor rapper vivo. Para isso, Hova recrutou uma constelação do mainstream norte-americano: produções de Kanye West, Swizz Beatz, No I.D. e Timbaland, e participações de Rihanna, Alicia Keys e as novas galinhas de ouro Drake e Kid Cudi. A questão que fica é: será que o mais que provável sucesso com o público encontrará ressonância entre os críticos?

Algumas coisas não mudam em Jay-Z: a competência em emplacar hits para rádios, a confiança exacerbada, a levada imaculada, as tiradas que valem pela música inteira e a capacidade de não variar os temas dos quais trata e mesmo assim abordá-los sempre de forma diferente. E "Blueprint 3" não é exceção. Aliás, confirma todas estas características, e ainda mostra um elemento cada vez mais crescente na carreira de Hova: a controvérsia, tão intrínseca aos grandes nomes do rap.

Assim, a esperteza que Jay mostrou ao detectar a crescente insatisfação dos fãs de rap com o autotune e lançar como single a ótima "Death Of Autotune" que o faz não ter pudores em apelar para sonoridades e artistas mais comerciais. No fim de tudo, o mesmo instinto "pop" para encher as estações de rádio com faixas como "Run This Town" que tocou em todas as rádios brasileiras – não faz parte da mesma lógica que transformou o autotune em ferramenta obrigatória para se ganhar dinheiro com o rap neste ano? Longe de criticar a postura de Hova. Na verdade, estas pequenas contradições só enriquecem a obra do cara, fomentam a discussão sobre o disco e apontam para novos detalhes que passam despercebidos.

E estes pequenos detalhes são encontrados aos montes neste álbum. Jay-Z continua estruturando seu discurso com base na sua posição atual no rap: uma espécie de magnata do gênero, capaz de fazer milhões com uma simples estrofe e de desfrutar estes lucros da maneira mais luxuosa possível. Nada perto do que a maioria dos fãs gostariam de ouvir dele, mas ainda assim verdadeiro e capaz de entreter – basta se despir dos preconceitos e procurar ouvir o álbum sob a ótica do cara.

E se este pequeno esforço é feito, surgem as recompensas. Como sempre, o Sr. Carter mostra um flow sensacional, variando cadência, entonação e pronúncia a seu bel-prazer, às vezes nem respeitando as demandas do beat. Além disso, as punchlines continuam abundantes. Seja a citação ao Brasil em "As Real As It Gets" ("Jay-Z é o equivalente auditivo do braille / é por isso que eles me entendem nas favelas do Brasil") ou o tradicional bragadoccio em "Reminder" ("homens mentem, mulheres mentem, os números não"), Hova mostra inspiração nas letras. "So Ambitious" mostra o agora milionário relembrando os tempos sem esperança de infância; "Off That" traz o quarentão rimando como um jovem de 20 anos ao mesmo tempo em que constata os novos tempos que vivenciamos; "A Star Is Born" recupera a palavra de ordem de que o gueto é onde as lendas nascem, enquanto Jay homenageia vários nomes do mainstream; por fim, "Venus vs Mars" é uma comparação entre Hova e sua amada Beyoncé com base em várias referências pop.

Aliás, é nesta última que emerge uma faceta do rapper. Ao rimar que "Pensei que a mina era a verdade, mas descobri que era uma traidora / nós deveríamos tomar tudo de assalto, mas a peguei ouvindo 'Ether"', Jay se revela um cara maduro o suficiente para lidar com sua condição e até brincar com seus momentos mais delicados na carreira, com sutileza suficiente para não perder a sempre necessária capa da invulnerabilidade que qualquer emcee que se preza ostenta. Ao mesmo tempo, ele acha tempo para debochar dos supostos invejosos que insistem em diminuir os feitos de Hova, com um flow muito próximo da perfeição em "Hate".

Mas nem tudo são flores. A direção claramente comercial das batidas escolhidas naturalmente custaria alguns pontos ao álbum. Algumas faixas construídas claramente para terem como destino as boates do mundo funcionam bem, como "Run This Town" e o bom refrão de Rihanna, a levada frenética de "Off That", a ópera eletrônica de "Reminder" ou a balada oitentista "Young Forever", mas é questionável se a maioria delas resistirá ao teste do tempo. Por outro lado, outras sequer passarão pelo teste individual deste escriba, que consistiu de dez audições completas: neste caso, "On To The Next One", do terrível Swizz Beatz, e "Already Home".

Talvez fosse bom que a produção tivesse um pouco mais do estilo "Death of Autotune" e um pouco menos de projetos de hits. Mas, analisando a trajetória de Jay e sua posição atual, é até compreensível. "Blueprint 3" pode não ser o clássico que muitos esperavam, mas também não é o lixo desprezível que outros muitos podem considerar mesmo sem ouvir o trabalho. E os méritos são todos deste rapper autoconfiante, com suas letras arrogantes e um carisma irresistível.

Sobre os autores

Fabio Lafa escreve textos, podcaster, pesquisador musical e consultor em music branding.

Nyack é Dj, pesquisador musical e beatmaker.

Juliano BigBoss é estudioso do marcado do rap, pesquisador, produtor artístico e executivo.

Sobre o blog

Papo semanal e bem descontraído sobre os ritmos que movem cidades. Dicas e mapeamento de cenários musicais - clássicos e emergentes, do analógico ao eletrônico.

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