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Frequência Modulada

Resenhando: Supreme Clientele, de Ghostface Killah

Frequência Modulada

28/05/2019 18h22

Aproveitando o lançamento de Of Mics and Men, documentário sobre a história do Wu Tang Clan, continuaremos falar sobre outro grande dos álbuns solos da banca – Supreme Clientele de Dennis Coles, mais conhecido como Ghostface Killak, lançado em 8 de fevereiro de 2000.
Logo depois de estourarem, os caras do Wu Tang Clan lançaram clássico atrás de clássico, com Liquid Swords, Only Built 4 Cuban Linx, Return to the 36 Chambers, Tical e Ironman, este último também de Ghostface Killah. Depois do álbum duplo Forever porém, a segunda rodada de álbuns solo só fez decepcionar. Era o fim do plano de cinco anos do RZA – na primeira metade de década do grupo, ele teve o controle total sobre a produção de cada disco que saiu com a marca Wu – e os membros do grupo resolveram buscar novos sons. Quebraram a cara, menos Ghostface, que, se não delegou todos os beats do seu segundo álbum a RZA, pelo menos teve o bom senso de deixá-lo ser o diretor executivo do projeto.

Portanto, mesmo com nomes desconhecidos e apenas quatro beats do Abbott, Supreme Clientele ainda tem aquele clássico som do Wu, com batidas fortes, direto na jugular, sem muita frescura – até mesmo os samples de kung fu aparecem vez ou outra. Aliás, isso serve como atestado da influência do estilo do Wu nos produtores da época; é só perceber, por exemplo, como os samples vocais acelerados apresentados por RZA já estavam difundidos, mesmo antes de explodirem com Kanye West e companhia. Para além disso, note a influência do próprio Ghostface na escolha dos instrumentais. Conhecido por ter uma queda pelo soul, o Iron Man não deixou passar bases encharcadas daquelas strings típicas do soul da Filadélfia, conhecido como Philly Soul.

E, apesar da fórmula mais ou menos definida, ainda há espaço para algumas experimentações. "Nutmeg", por exemplo, abre o disco totalmente desprovida de caixas mais incisivas; ao contrário, o protagonismo no mix cabe a uma linha de baixo simples, que segura a onda até um loop mais funky assumir o refrão. "Stroke of Death" é talvez a batida mais diferente, como se o DJ estivesse ali ao vivo fazendo a batida voltar para que Ghost, RZA e Solomon Childs pudessem rimar; é talvez uma homenagem aos primórdios do rap, quando os disc-jóqueis se esfolavam para manter um loop de dois segundos. Até mesmo uma pitada de jazz-rap aparece em Supreme Clientele, com "Malcolm", guiada completamente por um piano, além de um R&B meio tosco em "Cherchez Laghost", em tempos em que o Wu mantinha a agressividade como marca registrada.

 

Mas, na verdade, ainda são os tais batidões agressivos que elevam o nível do disco. "Buck 50" parece ter sido feito na medida para Ghost; samples de algum disco obscuro de soul, bumbos e caixas batendo incessantemente, estrutura simples e muito espaço para o anfitrião e seus convidados Method Man, Cappadonna e Redman rimarem. Apesar do nome, esta não é a diss para o então novato 50 Cent – naqueles tempos um membro do Wu jamais gastaria uma música inteira para isso, então só tocaram no assunto numa skit. Por outro lado, "Wu Banga 101" parece ter sido feita para GZA, no seu estilo lento mas ainda ameaçador. Não é à toa que o Genius é o primeiro a rimar na faixa. Mas é a brincadeira com os samples picotados no começo de cada verso que torna a faixa clássica.

E então temos "Mighty Healthy". Eu dedico um parágrafo inteiro para esta faixa, pois, pessoalmente, é uma das preferidas de todos os tempos. Produzida por Mathematics, a música é a síntese de Supreme Clientele. Os samples de kung fu estão lá, o break clássico de "Synthetic Substitution" é o esqueleto da batida, o piano e baixo soturnos dão o tom ameaçador e ainda há aquele samplezinho vocal bem sacana que faz qualquer um se render – e não esqueça dos scratchs!. Em suma, é uma das melhores batidas a saírem da marca Wu e é capaz de fazer você balançar a cabeça por horas e até ficar gesticulando como o Ghostface faz no clipe para as rimas que estão na linha tênue entre completo nonsense e carisma genial que só o maluco do Tony Starks é capaz de oferecer. Linhas como "você está certo, eu transo com as fãs" ou aquela cantoria desafinada no refrão são a cereja no bolo.

Aliás, liricamente falando, Ghost exibe por todo o disco o que podemos perceber em "Mighty Healthy". As rimas na maioria das vezes não fazem sentido para o ouvinte comum – e já vi muitos fãs norte-americanos do Wu admitirem que não entendem o que o cara quer dizer -, mas o flow do cara é irresístivel. Além de tudo, Supreme Clientele entra para o rol dos clássicos do rap como uma aula de como a levada pode carregar um disco. O storytelling, o bragadoccio e o battle rap estão todos no álbum, mas muitas vezes você nem entende, e nem liga; o importante são as rimas internas, multissilábicas, as punchlines. A voz fina de Ghost transforma-se verdadeiramente em mais um instrumento colocado no mix. É quase como um disco instrumental, com a voz de Ghost sendo o instrumento principal.

E todo esse nonsense funciona na verdade, como algo positivo. Ghost seguiu este estilo por toda sua carreira e o transformou em marca registrada. É como se ele se sentasse, pegasse a caneta e o papel e começasse a escrever o que vem na cabeça. Amigos, Ghostface Killah é uma das maiores representações "rapeiras" do dadaísmo. Politicamente, firma-se como um protesto contra uma civilização que não conseguiria evitar a guerra". Tudo a ver, né?

Curioso também notar que o álbum é o primeiro em que Ghostface sai da sombra de Raekwon. Depois de ser o coadjuvante de Only Built 4 Cuban Linx e dividir Ironman como o parceiro, Ghost assume os holofotes. O amigo gordinho aparece em apenas duas faixas e, mais importante, Tony Starks monopoliza diversas músicas no disco, num cenário bem diferente do que dos primeiros solos. Ghost até se refere a isso no início de "Might Healthy": "O mundo não pode encostar Ghost, o coadjuvante da Purple Tape (como ficou conhecido 'Only Built…') de Rae".

Na época em que foi lançado, em 2000, Supreme Clientele funcionou como um resgate do Wu, que já dava sinais do seu primeiro declínio depois de "Forever", em 1997, com os seguidos solos decepcionantes. Como bônus, iniciou a saga de Ghost como membro proeminente do grupo, já que antes era ofuscado por nomes como RZA, Meth, Raekwon e GZA. A partir deste álbum, Tony Starks tornou-se o mais consistente emcee do Wu e um dos mais carismáticos do rap.

Sobre os autores

Fabio Lafa escreve textos, podcaster, pesquisador musical e consultor em music branding.

Nyack é Dj, pesquisador musical e beatmaker.

Juliano BigBoss é estudioso do marcado do rap, pesquisador, produtor artístico e executivo.

Sobre o blog

Papo semanal e bem descontraído sobre os ritmos que movem cidades. Dicas e mapeamento de cenários musicais - clássicos e emergentes, do analógico ao eletrônico.

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