Sobre os clássicos: Ready to Die de Notorious B.I.G.
Frequência Modulada
02/05/2019 00h08
O ano de 1994 foi ótimo para o rap. Álbuns que mais tarde se tornariam clássicos indiscutíveis foram lançados aos baldes. Entre eles, um disco cuja capa mostrando uma criança negra e a frase "Pronto para morrer" foi o que teve mais êxito, tanto entre os críticos quanto entre o público. Christopher Wallace, The Notorious B.I.G., Biggie Smalls, Frank White, whatever, foi o cara responsável por essa obra-prima.
Vindo diretamente das ruas do Brooklyn e assessorado por um jovem Puff Daddy, o então moleque obeso iniciou a gravação do disco tentando trazer os holofotes do rap de volta para Nova Iorque, uma vez que o gangsta rap de Los Angeles dominava a cena na época. Não por acaso, as primeiras faixas gravadas são todas um retrato do jovem Biggie: cruas, urgentes, agressivas. Imagine a cena: um cara que veio do nada tendo sua grande chance de melhorar de vida e não precisar voltar para as ruas – daí podemos entender a ferocidade com que Biggie escrevia suas rimas. Infelizmente, graças a problemas com a gravadora, Puff Daddy foi demitido, o projeto do álbum foi engavetado e Big voltou para as ruas. Um tempo depois, Puff fundou sua própria gravadora e retomou o disco de um BIG agora mais concentrado e focado em não só fazer música de qualidade, mas também ganhar dinheiro com ela. Era o início da influência do pop no rap.
Entretanto, até para fazer hits para boates Biggie tinha um estilo. Big Poppa e One More Chance foram eternizadas graças a loops cativantes e um emcee extremamente eficiente, com flow perfeito e controle de respiração impecável. Tudo isso sem perder a técnica, as complexas estruturas de rima e as metáforas. Sua outra qualidade, a versatilidade, ficaria mais evidente no restante do disco. Biggie teve uma visão certeira em direcionar música para os vários públicos do rap. Criou um buzz com os gangstas em faixas como a funky Warning, um diálogo com um amigo que o previne que invejosos querem roubá-lo, e Things Done Changed, um relato vivo sobre as ruas.
Os puristas ligados aos raps de batalha e às rimas sem compromisso também foram satisfeitos: The What é um dueto com Method Man, onde os dois trocam as mais carismáticas rimas de auto exaltação da história; Ready To Die tem um Biggie agressivo, o máximo de estilo foda-se que uma faixa com tal título pode alcançar; a picotada-pelo-Premier Unbelievable também segue o mesmo estilo. Entretanto, são algumas faixas chaves que acabam por dar a consistência necessária para que o álbum seja coerente com seu título.
Antes de tudo, Ready to Die é quase uma obra autobiográfica sobre um jovem do gueto pronto para subir na vida de qualquer maneira, nem que para isso precise morrer cedo. É um retrato da desesperança presente na juventude negra, uma forma de retratar estes jovens perspectiva de futuro. Juicy, outro single do disco, é a faixa que dá o exemplo de que ainda há saída, quando Biggie conta sua própria história de vida e mostra como conseguiu sair do "negativo para o positivo". Everyday Struggle, por sua vez, mostra o outro lado: os vários problemas enfrentados no dia-a-dia, desde a morte de amigos a problemas financeiros – é, talvez, a faixa mais subestimada do disco, um beat sensacional, com um loop jazzy no fundo, metais pontuais e uma bateria quebrada sensacional.
Respect segue a linha autobiográfica, com Biggie rimando algumas de suas frases mais memoráveis sobre um instrumental com fortes influências do reggae, inclusive no refrão meio rasta. Por último, duas das faixas mais criativas do rap: Gimme the Loot, um retrato perfeito da mentalidade de alguns jovens, no qual Biggie interpreta dois bandidos que estão à procura de potenciais vítimas, sobre beat minimalista, mas bastante efetivo; e Suicidal Thoughts, que fecha o disco com chave de ouro, e tem Biggie ligando para um amigo, lamentando sua vida e, por fim, se matando. O que mais chama a atenção são os versos extremamente sinceros e duros de Biggie, que vai desde "minha mãe desejava ter tido um aborto" até "minha mina me beijou, mas está feliz que eu morri / ela sabia que eu tinha um caso com a irmã dela".
Enfim, Ready to Die conseguiu uma proeza até hoje pouco alcançada no rap: aliou sucesso de vendas, de crítica e de público, graças a uma bem pensada e bem executada organização das faixas, que contemplou desde hits para rádio até músicas polêmicas que falavam sobre roubar grávidas. Todas impecavelmente produzidas, repletas de samples pesados e sujos, além de rimas extremamente bem escritas, tanto na parte de conceitos quanto na técnica. Junte tudo isso a um emcee carismático e pronto para tomar a cena de assalto, e temos um dos melhores discos da história do rap.
Sobre os autores
Fabio Lafa escreve textos, podcaster, pesquisador musical e consultor em music branding.
Nyack é Dj, pesquisador musical e beatmaker.
Juliano BigBoss é estudioso do marcado do rap, pesquisador, produtor artístico e executivo.
Sobre o blog
Papo semanal e bem descontraído sobre os ritmos que movem cidades. Dicas e mapeamento de cenários musicais - clássicos e emergentes, do analógico ao eletrônico.