J Dilla e Illa J - o legado Yancey para o rap
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05/02/2019 22h41
Após 10 anos do álbum vemos o surgimento de um rapper, cantor e instrumentista ser mundialmente conhecido não por ser o irmão caçula de um ícone do hip hop mundial, mas por sua própria qualidade artística.
Geralmente, irmãos seguem duas linhas dicotômicas: ou são muito parecidos, ou não têm nada a ver um com o outro. Mais forte do que isso, porém, há uma ligação entre os dois quase mística, algo diferente de tudo. Irmãos são produtos, na maioria dos casos, do mesmo casal, vivem juntos durante quase 20 anos e são a família um do outro na fase adulta e na terceira idade. Irmãos brigam muito, é claro, mas não vivem sem o outro. No caso de Illa J e J Dilla, acredito que a dicotomia do início do parágrafo é clara: eles são muito parecidos, num ponto crucial: vivem para o rap. Dilla, inclusive, morreu pelo rap. Mas seu irmão mais novo está aí para carregar a tocha de seu legado. A primeira providência foi o lançamento de Yancey Boys, com todos os beats provenientes diretamente de algum arquivo de beats empoeirado de Dilla.
Illa J não é uma sumidade como MC – seu irmão também não era, mas acerta em cheio ao focar seu disco nos petardos produzidos por Dilla, adaptando-se a eles. Em sua maioria, os beats usados aqui são simples, minimalistas, com samples esparsos, dando um clima meio "aéreo" ao álbum e no ano passado tivemos o prazer de vê-lo pela primeira vez no Brasil (evento lindo no SESC Pompéia produzido por esse singelo coletivo!) e apresentando muitas músicas deste álbum incrível.
O primeiro acerto de Illa J é manter uma coerência na escolha dos instrumentais, sem criar uma salada de estilos desnecessária, conseguindo assim coesão, além de dar o clima espiritual necessário para um encontro entre irmãos dessa natureza. Faixas como Everytime e Timeless são um bom exemplo desta espiritualidade nos beats: a primeira contém os tais samples espaçados, enquanto a segunda é guiada por um belo piano em loop.
Além de rimar, Illa J também mostra suas habilidades cantando. Na supracitada Timeless, ele mostra bem esse lado, e se sai bem. Nas rimas ele também mostra ter talento, variando bastante de temas, sem deixar a saudade do irmão afetar o disco. Assim, ele consegue escapar da tendência natural de criar um tributo a Dilla, ou um álbum baseado apenas na figura dele. O que se vê é um MC jovem, mesclando conceitos interessantes como os signos zodiacais nas caixas pesadas de Air Signs a temas mais tradicionais, como os relacionamentos na relax Sounds Like Love ou os percalços de um iniciante no rap em Strugglin'. Outros destaques são o loop jazzy preguiçoso – num bom sentido – de All Good e a emocionante Alien Family, na qual Frank Nitty, conhecido da família Yancey, fala um pouco sobre os irmãos sobre mais um beat relax.
No fim, Yancey Boys tem grande êxito, porque consegue mostrar bem os dois irmãos. Os beats de J-Dilla neste trabalho mostram por que ele é um dos maiores beatmakers de todos os tempos, enquanto o caçula Illa J mostra grande potencial e uma sensibilidade incrível ao lidar com o material póstumo do irmão. Nada de grandes dramas ou músicas lamentando a morte de Dilla: a homenagem aqui é da forma que ele com certeza preferiria: rimas, beats e paixão, muita paixão pelo rap.
Illa J – Yancey Boys
Sobre os autores
Fabio Lafa escreve textos, podcaster, pesquisador musical e consultor em music branding.
Nyack é Dj, pesquisador musical e beatmaker.
Juliano BigBoss é estudioso do marcado do rap, pesquisador, produtor artístico e executivo.
Sobre o blog
Papo semanal e bem descontraído sobre os ritmos que movem cidades. Dicas e mapeamento de cenários musicais - clássicos e emergentes, do analógico ao eletrônico.