Dr. Dre - sobre músicas, dinheiro e foco
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13/11/2018 23h47
Gostaríamos de compartilhar uma entrevista sobre um dos gênios quando se fala em produção de batidas e o tido como primeiro bilionário do rap, Dr. Dre, sob a ótica de um dos seus conselheiros e braço direito, Bruce Williams. Várias passagens são contadas através do livro Rollin' with Dre: The Unauthorized Account: An Insider's Tale of the Rise, Fall, and Rebirth of West Coast Hip Hop, mas uma parte bem boa você fica sabendo por aqui, com base em entrevista no canal HipHopDX.
Há duas pessoas nesse mundo. Há "O homem" e há "o homem por trás do homem." Para cada George Bush há um Karl Rove. Michael Jackson tinha Quincy Jones. Richard Pryor tinha Paul Mooney criando suas brilhantes piadas. Por trás do show de Dave Chappelle estava Neil Brennan. E para Dr. Dre tinha Bruce Williams.
Durante duas décadas, Bruce Williams foi o braço direito de Dre durante uma das situações mais horríveis, vitoriosas, controversas, bem sucedidas e infames que alguém poderia tomar parte. Ele era o homem que fazia todo o trabalho para Dr. Dre. Ele atendia telefones, lidava com os artistas e era o filtro entre Dr. Dre e o mundo. Só há um homem que saiba tudo sobre Dr. Dre além do próprio, e esse homem é Bruce Williams.
O HipHopDX fez uma longa entrevista com Bruce Williams falando sobre o seu recém lançado livro entitulado "Rollin' With Dre: The Unauthorized Account". No livro Williams esclarece várias situações que jamais foram discutidas sobre o seu tempo ao lado de Dre. Seja um álbum não terminado de Snoop Dogg que não foi lançado, a verdade sobre a treta entre Death Row/Bad Boy, o envolvimento de Al Sharpton na treta entre 50 Cent/The Game, ou o que aconteceu na situação com Rakim; Williams tem todas as respostas que gostariamos de ouvir de Dr. Dre.
Na Parte 1, Williams fala sobre o começo com Dre e seu tempo na Death Row até o famoso incidente no Source Awards em 1995, que sacudiu a indústria da música até os dias de hoje.
Entre as entrevistas tem alguns trechos do livro, em que Bruce Williams escreveu sobre Dr. Dre entitulado "Rollin' With Dre: The Unauthorized Account", com o número da página onde se encontram os trechos.
HipHopDX: Fale um pouco sobre você para aqueles que não te conhecem.
Williams: Eu trabalhei com Dre por mais de 16 anos. Eu comecei na era da Death Row. Eu vim para Cali (Califórnia) para ser um ator e conheci Dre através de uma amiga chamada Robin. Robin era uma garota que estava decorando a casa do Dre. Eu fui com ela só para conhecer ele. Eu e Dre conversamos e no meio da conversa ele falou, "Ae, o que você pretende fazer agora?" e em seguinda disse, "Por que você não trabalha comigo?" Comecei nesse mesmo dia.
Ele queria que eu trabalhasse com ele para aprender como funcionavam os negócios. Já que eu queria fazer filmes, então eu me senti em casa. Eu era o seu braço direito. Havia um tempo em que você não podia falar com Dre sem antes falar comigo. Erámos assim. Eu aprendi muito do mundo da música porque trabalhei com Dre.
HipHopDX: Então por quê um livro nessa altura de sua vida?
Williams: Minha inspiração para escrever esse livro veio do fato de que eu queria fazer um show de TV, mas os diretores decidiram que eu deveria lançar um livro antes para despertar o interesse das pessoas.
HipHopDX: No livro você disse que ganhava um salário pequeno de US$300 por semana enquanto trabalhava na Death Row. Por quê isso?
Williams: Eu não tive um aumento até entrar na Aftermath. Eu não culpo o Dre porque, na época, eu não precisava de dinheiro. Todo lugar que íamos, já estava tudo pago. Eu ficava em um prédio luxuoso. Dre não podia me dar muito dinheiro, então ele me ajudava a ganhar o meu.
Com o passar do tempo, fomos nos aprofundando no mundo da música e Dre criou a Aftermath e contratou um novo contador, e eu me lembro do contador me chamar pra conversar e me disse, "Uhhh… Dre quer te dar um aumento," Dre ficou impressionando que eu só ganhava $300 por semana e nunca falei nada. Mas na época eu não tinha dependentes, esposas, filhos, então não me preocupava muito com dinheiro porque todo lugar que eu ia era pago.
"Dre não era muito atencioso as coisas naquela época, mas ele fez uma manobra inteligente que cobriria todos os seus erros futuros: Um dia ele entrou no carro e me levou ao seu contador. Lá estava toda a papelada que me tornou empregado de Andre Rommel Young. Não trabalhava para a gravadora Death Row, ou a Interscope, só Dr. Dre" páginas 19-20
HipHopDX: Como você conheceu Suge Knight?
Williams: Eu já estava com o Dre há um mês até conhecer o Suge. Estavámos em um clube noturno e de repente eu estava ao lado do Suge, e do nada um cara aparece com uma arma e aponta para o Suge. Meus instintos me fizeram conversar com o cara, para tentar acalmá-lo, e do nada ele aponta a arma para mim. Nos enroscamos e a arma caiu. Eu peguei a arma e passei para o Sam Sneed.
HipHopDX: Isso fez você ganhar o respeito do Suge?
Williams: Não estava tentando ganhar o respeito dele. Foi meu instinto natural porque eu já fui militar.
HipHopDX: Como era fazer parte da banca mais temida do Hip-Hop?
Williams: Era muito confuso, mais por culpa das pessoas. Todo lugar que o Suge chegava as pessoas diziam, "Meu Deus, é o Suge!", e todos se tremiam de medo. Quanto mais as pessoas diziam isso, mais Suge estufava o peito.
HipHopDX: E as estórias de terror que contam, que pessoas eram espancadas lá dentro? Não é por isso que as pessoas tinham medo dele?
Williams: É verdade, algumas pessoas eram espancadas lá dentro. Mas todos que apanhavam estavam fazendo alguma merda. Eu não conseguia entender como essas pessoas que sabiam que a banca do Suge não aturava patifarias, após trabalharem conosco, tentavam nos foder no final. Não tinha como ficarmos parados.
Não me entenda mal, não era um espancamento aleatório. Não era isso. Suge nem gostava de ir em clubes. Quando chegavamos na porta ele já dizia, "Foda-se o porteiro, foda-se o segurança, sai todo mundo da frente!" Ele não era do tipo de sair batendo em qualquer um sem motivo. Muitos apanhavam porque era de outra área e entravam na área dele.
"Eu entrei na suite do hotel. Lá estava Suge, Party Man e outros bandidos da Death Row. Assim que me viu, Party Man me olhou como se quisesse dizer, 'Por favor, me ajude.' E eu olhei de volta pra ele como quem diz, 'Não posso fazer nada por você, você fodeu com os homens errados.'
'Bruce, quanto dinheiro tem nessa porra?' perguntou Suge
'Mano, não queria dizer, mas, estamos no vermelho.' eu respondi
'Quanto?' insistiu Suge.
'40 mil.'
…Eles levaram Party Man para o banheiro e bateram tanto nele que ele nem quis fazer queixa." páginas 62 – 63
HipHopDX: Além do óbvio, quais eram as diferenças entre Suge e Dre?
Williams: Dre era um cara sossegado, mas Suge era correria. Com o Suge, se ele te respeita e você respeita ele, é um tratamento diferente. Você não pode falar com ele sobre patifaria. Quando o assunto é negócios ele é assim também, quando Dre dizia que queria fazer algo ele dava um jeito de acontecer. Mas quando Dre falou sobre Aftermath, as coisas mudaram.
HipHopDX: Eu ouvi que tem uma versão diferente do álbum "The Chronic". É verdade?
Williams: Uma versão diferente? Não. Dre faz uma música de um jeito: ele pega a batida e joga algumas palavras em cima e todos pensam que é a música pronta. Mas Dre muda a batida toda de uma hora pra outra. Acho que algumas pessoas se confundiram quando ele saiu da Death Row, e tínhamos tretado com Suge quando ele pediu os master. Nunca houve uma versão de "The Chronic."
HipHopDX: Como era estar no estúdio com o pessoal da Death Row na época?
Williams: No primeiro dia que pisei no estúdio eu vi que o trabalho era fenomenal. Dre era o primeiro a chegar e o último a sair. Ele começava a mexer com a batida. Assim que a batida começava, os manos começavam a filtrá-la. Todos bebendo e fumando. Assim que a batida começava a criar corpo, você olhava em volta e todos os rappers – Kurupt, Daz e Snoop – com a caneta na mão. Eles começavam a escrever enquanto Dre finalizava a batida, e assim que Dre terminava eles já estavam prontos para começar a rimar. Ver aqueles moleques famintos e com vontade de fazer algo louco era demais. A atmosfera era ótima, não dava para fazer música ruim.
HipHopDX: Há algo que ninguém saiba que você poderia nos contar?
Williams: O primeiro álbum do Snoop, o "Doggystyle". Muitas pessoas não sabem que esse álbum não foi finalizado. Estavam exigindo o álbum com tanta pressa que uma hora o distribuidor chegou e disse "Vamos cancelar os pedidos se o álbum não chegar em 48 horas." Dre mixou o álbum e fez todos os skits. Eles fizeram tudo em 48 horas. Para mim foi a coisa mais fenomenal do mundo. Tinha uma fileira de garrafas de Hennessey no estúdio. Tinha lagosta e coisas do tipo. Mas ninguém tocava em nada. Naquelas 48 horas só se falava em música. Eu me lembro de Dre cochilando no sofá por 15 minutos e Snoop viu e chegou nele com um taco de bilhar batendo no sofá dizendo, "Aee Dre! Levanta dessa porra. Você tem que mixar meu álbum!" Nessas 48 horas mixamos o álbum, colocamos os skits e mandamos pro distribuidor.
HipHopDX: Qual a mentalidade do Dre quando está fazendo um álbum?
Williams: Se você realmente ouvir um álbum do Dre, vai perceber que ele não faz músicas para tocar em clubes. Sua música ultrapassa os clubes. Suas músicas são feitas para ouvir no carro. É algo que você pode jogar no CD Player e sair no rolê. Não precisa tirar e nem pular as músicas. O que muitos produtores não entendem nesse jogo é a levada de suas músicas. Você pode ter boas músicas, mas se você não tem um carro-chefe, então você não tem nada. Suas músicas não podem ir de um lugar a outro. Com Dre, cada música leva a outra. Elas se misturam. Muitas pessoas não entendem isso. Ele mudou o jogo e ninguém poderia pará-lo ou superá-lo porque ele tem bons ouvidos. Mesmo quando não estava pronto, estava bom. Todos perguntam porque ele demora tanto. Ele passa palavra por palavra no estúdio para ter certeza que a pronúncia está exata. Você ouve e não percebe nada diferente, mas ele percebe.
HipHopDX: Eu ouvi que Dre usa o seu carro para testar as músicas. É verdade?
Williams: O som tem que fazer o carro pular. Quando ele mixa um som, ele sempre sai no rolê com seu carro. Para o Dre, isso é uma paz interna. Só ele e a música. Costumavamos colar em um local chamado Red Rock na Sunset Boulevard. Colavamos na área VIP onde tinha um bar. Tocavamos a música lá. Vinham pessoas de todos os lugares. Testavamos a música para ver se as pessoas iriam gostar.
HipHopDX: Explique a atmosfera do famoso incidente no Source Awards em 1995.
Williams: já fui em centenas de shows. Mas o Source Awards de 95 foi o melhor deles. Desde o começo já dava pra sentir que algo iria acontecer. Os ânimos estavam exaltados. Você sabe que tem os intervalos durante o show? Nos outros shows nos intervalos todos ficam quietos. Mas no Source Awards? Você ouvia "Foda-se Queensbridge," "Brooklyn!" Você ouvia todo tipo de coisa, "Wu-Tang!" e tinha outros dizendo "Foda-se os malucos da West Coast," e falamos entre nós, "Caramba, vai dar merda hoje!". Começamos o shows com todos os rappers presos em celas como se estivesse no Corredor da Morte (Death Row).
Quando o Suge subiu no palco e falou aquilo tudo sobre o Puffy (o hoje Diddy), toda a platéia explodiu. Era a merda que estavámos esperando. Olhei em volta e pensei, "Como vamos sair daqui?" Tinha um clima tenso no ar. Eu ficava esperando algo acontecer, mas não acontecia. Teve uma hora que pensei que toda a platéia ia pra cima da gente, mas não chegou a esse ponto.
HipHopDX: Como vocês sairam de lá com toda essa hostilidade?
Williams: Nós estavámos vestidos como negros de L.A. Eu sai de lá para buscar a limusine e tudo que eu via era um mar de vagabundos da East Coast gritando, "Foda-se a Death Row! Vamos pegar esses malucos!" Eu esperava que nenhum deles percebesse que eu era de Cali. Eu peguei a limusine e voltei para buscar o Dre. Quando saimos as coisas mudaram. Os malucos do lado de fora começaram a dizer, "Foda-se a Death…oh esse é o Dr. Dre, mano! Ele é firmeza. Vocês podem passar. É o Dre. Foda-se os outros malucos!"
Demais não é? Mas calma, nas próximas semanas a gente continua…
Sobre os autores
Fabio Lafa escreve textos, podcaster, pesquisador musical e consultor em music branding.
Nyack é Dj, pesquisador musical e beatmaker.
Juliano BigBoss é estudioso do marcado do rap, pesquisador, produtor artístico e executivo.
Sobre o blog
Papo semanal e bem descontraído sobre os ritmos que movem cidades. Dicas e mapeamento de cenários musicais - clássicos e emergentes, do analógico ao eletrônico.